Crônica da semana: NEM TUDO É O QUE PARECE

Wagner Fontenelle Pessôa                             
Uma das coisas mais sem razão de ser, de tantas quantas dizem por aí, é essa de que "a primeira impressão é a que fica". É nada! Todo mundo já passou pela experiência de simpatizar muito com alguém no primeiro contato e, algum tempo depois, chegar ao entendimento de que está lidando com uma pessoa de caráter deplorável. Do mesmo modo e em sentido contrário, também costuma acontecer de não gostarmos muito de quem acabou de nos ser apresentado, para, mais adiante, vir essa criatura a tornar-se um dos nossos amigos mais fraternais.
            O fato concreto é que, pondo de parte essa bobagem de "primeira impressão" e ressalvada a existência da propalada intuição, que uns possuem mais apurada do que outros — e da qual, sabidamente, as mulheres estão mais bem aparelhadas — a maior parte do que conhecemos e aprendemos, vem das experiências que temos em nossa própria vida e, em menor escala, daquilo que nos ensinam as experiências alheias.
            Mas não bastam as experiências. É necessário, também e acima de tudo, que sejamos capazes de fazer a conexão dos erros e acertos do passado com a situação do presente, aplicando a esta o que se aprendeu com aqueles. Caso contrário, de nada valeriam os tropeções, escorregões e cabeçadas que já demos e ainda daremos. Pois, como gostam de repetir os historiados, em defesa daquilo que estudam e ensinam, "quem não aprende com os erros do passado, está fadado a cometê-los novamente".
            Na verdade, o que os historiadores dizem tem uma formulação um pouco mais corporativista do que isto. E decorre de uma afirmação do estadista, escritor e filósofo político britânico, Edmund Burke, da qual também se apropriou um dos líderes da revolução cubana, Ernesto Che Guevara: "Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la". Não é isto, porém, o que vem ao caso agora.
            No momento, o que nos interessa é entendermos duas coisas: a importância de aplicarmos o que sabemos do "antes" àquilo com que nos defrontamos "agora" ou haveremos de nos defrontar no "futuro". E, de outra parte, como as aparências podem ser enganosas. Pois sendo assim e para melhor exemplificar, talvez seja apropriado lembrar uma conhecida história, a daquele pequeno sitiante que, considerando a gravidade dos ferimentos resultantes de um acidente que sofrera numa rodovia, decidiu levar o dono do veículo que o atropelara à Justiça, em busca da indenização.
            Cumprindo o seu papel, o advogado do réu tentou desqualificar a existência do direito do autor ao pretendido ressarcimento. E, ao interrogá-lo, começou indagando:
            — Na hora e local do acidente, o senhor não disse ao policial rodoviário que o atendeu, que "estava ótimo"?
            O tabaréu principiou o esclarecimento, dizendo: "Eu vou contar pro sinhô como aconteceu...". Mas o defensor o interrompeu, imediatamente:
            — Eu não pedi e nem me interessam os detalhes. Responda, apenas, se o senhor disse ao patrulheiro rodoviário, na hora do acidente, que "estava ótimo"! E aproveito para informar que esse policial também será ouvido pelo doutor juiz, na condição de testemunha da defesa.
            Mais uma vez o roceiro tentou explicar: "Bão, eu ia andando na mula pelo acostamento da rodovia, quando veio o carro desse moço aí, saiu da pista e me atropelou...". E, mais uma vez, foi atalhado pelo advogado:
            — Meritíssimo, por favor... Estou tentando estabelecer aqui como os fatos ocorreram, porque há uma evidente tentativa de extorquir o meu cliente, com a iniciativa desta ação. Pois, na cena do acidente, o autor disse ao patrulheiro que estava bem; aliás, que estava ótimo!
            O magistrado, no entanto, percebendo a humildade e as limitações do autor, decidiu, em contrário das pretensões do defensor do réu, que queria ouvir a narrativa que o homenzinho, acerca do seu atropelamento. E, uma vez autorizado, este recomeçou:
            — Como eu tava dizendo, eu ia pela beira da estrada, quando o moço aí, que vinha numa picape, saiu da rodagem e jogou o carro em cima de mim. Eu fui jogado prum lado e a mula pro outro, que eu nem vi onde foi. Eu só podia ouvir a mula "zurrano" e "grunhino". E, pelo "baruio", percebi que a situação dela era muito feia.
            Olhou para o juiz, que a tudo ouvia e o autorizou a continuar.
            — Foi aí que o patrulheiro rodoviário chegou. Ele ouviu a mula "gritano" e "zurrano" e foi até onde ela tava. Depois de dá uma "oiada" nela, ele pegou o "revórve" e atirou 3 vezes bem no meio dos "ôio" dela. Depois, ele "travessô" a estrada com a arma na mão, "oiô" para mim e disse: "Sua mula estava muito mal e eu tive que atirar nela. E o "sinhô", como tá se sentindo?"
            — Aí eu pensei bem e falei: EU TÔ ÓTIMO! E dava prá dizer outra coisa, moço?
            Este é um, exemplo pronto e acabado, de que aquilo que aprendemos com as experiências anteriores precisa ser útil para o nosso presente e futuro. E também há de ter servido como evidência, inclusive para aquele advogado que se julgava muito esperto, de que nem tudo é o que parece.

                       


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