Crônica da semana: E VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE...

Wagner Fontenelle Pessôa                  
Tenho os professores da Língua Portuguesa em grande conta. Refiro-me aos bons professores, naturalmente, porque também há aqueles metidos a lecionarem a disciplina que, falando com sinceridade, precisavam era fazer um bom curso na área, antes de se meterem a ensinar o que não sabem. É triste, mas é verdade!
            Contudo, pensando só naqueles professores verdadeiramente competentes nessa área, torno a dizer que eles me inspiram admiração e respeito, porque a gramática do nosso idioma não é das mais fáceis. O Português deveria, a meu ver, ser incluído na Constituição Brasileira como mais um símbolo nacional, do mesmo modo que a bandeira, o hino, o brasão e o selo da República. Porque é um traço importantíssimo da nossa identidade cultural.
            Alguns linguistas que conheço, movidos por motivações mais ideológicas do que culturais, haveriam de sentir arrepios com essa proposta. Porque defendem o entendimento de que a língua — por ser um elemento vivo e dinâmico — está sujeita a uma contínua mutação. E, valendo-se daquela concepção de que o idioma pode ser oficial ou espontâneo, entendem que não cabe o rótulo de certo ou errado em seu uso.
            Pois foi exatamente seguindo essa ideologia que, num tempo recente, o MEC chegou a ensaiar uma reforma nas normas para o ensino do idioma aos estudantes brasileiros, considerando que se a criatura fala ou escreve “bicicreta” ou “vrido” (em lugar de bicicleta e vidro), é porque, no seu ambiente familiar e social, as pessoas falam assim. E que, sendo
desse jeito, isso não deveria ser considerado como erro, mas tão somente como uma maneira própria de falar daquele grupo.
            Nesse contexto, um desses especialistas no estudo da língua chegou a me dizer, certa vez, que o ex-presidente Lula não fala errado; apenas, de um modo característico, que decorre do meio social em que nasceu e foi criado. Embora eu (que não sou linguista nem nada) insista em discordar desses “filólogos ideologizados”, porque entendo que, mesmo considerando as transformações, inovações e neologismos tão comuns em nosso idioma, não podemos e nem devemos dispensar a correção no falar e no escrever. E que se danem os ideólogos do partido dele!
            Passo muito tempo tentando corrigir os deslizes eventuais — de concordância, de virgulação e de sentido lógico — na construção dos períodos e orações, quando reviso os meus próprios textos. Recorro a dicionários, a gramáticas e, em casos de maior dificuldade, a alguns dos meus colegas, mais competentes do que eu na arte da redação, para sanar as minhas dúvidas. Pois embora eu não me livre de cometer erros de vez em quando, permaneço defendendo a ideia de que a língua que falamos precisa ser preservada, como um bem cultural da nossa sociedade.
            Só não chego é aos exageros de um professor que tive no curso de Direito, quase neurótico, quando se tratava da correção no falar e no escrever. Adquiri com ele o hábito de assinalar, nas provas e trabalhos dos meus alunos, os erros mais grosseiros de ortografia e concordância. A diferença é que, além de assinalar, ele também diminuía a nota dos que tropeçavam na redação.
            Sendo assim, o professor Davi A. M. tinha acessos de indignação com os escorregões mais graves, que alguns daqueles acadêmicos costumavam dar, quando falavam ou escreviam. A sua irritação quanto a isto era perceptível, intensa e incontida. E deve ter sido por este motivo — por simples e pura vingança — que, quando ele se casou em segundas núpcias, circulou entre os alunos da faculdade a versão engraçada sobre um fato que teria ocorrido em sua lua de mel.
            O homem era viúvo, já fazia alguns anos, quando se encantou por uma mulher mais jovem, que fora sua aluna nas aulas de Direito Comercial. E, por paixão, compaixão ou falta de opção, a moça acabou aceitando a sua proposta de namoro e o seu pedido de casamento. Mas, passado o dia do matrimônio, seus alunos e ex-alunos comentavam, com um toque de maldade, que, na hora do “conseguimento”, o professor partiu em direção ao leito conjugal, cheio de ímpeto e motivado pelas melhores intenções.  
Numa das mãos segurava o “Aurélio” com firmeza, como a demonstrar que estava mais do que pronto para utilizar o já bem manuseado dicionário. Pois foi nessa hora que a noiva, sentindo-se segura pelo salvo conduto que ostentava no dedo anelar e liberta das inibições, disse ao marido, repleta de desejos acumulados:
            — Me possua, Davi! Me possua do jeito que bem quiser, porque estou disposta a satisfazer todos os seus desejos!
            No embalo que ia, o velho professor “afundou o pé no freio”! Ficou olhando para o teto, meio desconsolado e, para o espanto da nova mulher, “firmou a primeira jurisprudência” para o casamento que mal começara:
            — Querida... Agora você estragou o clima e quebrou a minha vontade. Pelo amor de Deus! Não se começa uma frase com pronome oblíquo, minha filha! O certo seria você dizer: “Possua-me, Davi” e não “Me possua, Davi”, do jeito como falou!

            De fato, cometendo um erro desses no uso do idioma, não há desejo que resista! Isto é, se o marido for um linguista intransigente, como era o caso dele. Não tenho informações sobre o que ocorreu depois dessa noite, na alcova do casal. Mas não é difícil presumir que, desde então, a língua foi usada por ambos, de maneira irrepreensível, em seus momentos de intimidade. E, pelo que sei, viveram felizes para sempre... 

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