Crônica da semana: O TIO OSCAR NÃO “BATIA” MUITO BEM...

Wagner Fontenelle Pessôa                       
Faz algum tempo, ouvi de uma internauta, que conheci por acaso, esta historinha estranha, que resolvi transformar num texto. Pois, seguindo o seu relato, ficou mais ou menos assim:
            "O meu pai era uma pessoa de excepcional qualidade. Tinha uma boa cabeça, mas o que o estragava, às vezes, era o seu pensamento. Ou melhor, suas idéias “originais”. Talvez, porque gostasse de grandes emoções. Mas, não satisfeito de vivê-las, também costumava envolver o resto da família nelas.   
            Pois certa vez, numa festa de barraquinhas, ocorrida na nossa cidade, por conta de um desses festejos de final de ano, na falta de uma coisa melhor para inventar, lá pelo meio do leilão, ele arrematou, por bom preço, uma prenda tão desnecessária quanto inútil à nossa
família: um porco! E quando o "leiloeiro" improvisado, com ar vitorioso, gritou aquela palavra mágica — VENDIDO! — um frio percorreu a nossa espinha. Minha mãe colocou as mãos na cabeça e nos olhou, com aquele olhar de quem procura a resposta para uma pergunta simples, mas difícil de responder: E AGORA, O QUE NÓS VAMOS FAZER COM ESSE BICHO?!"
            De fato, não havia mesmo espaço em nossa casa, para abrigar um hóspede inusitado como aquele. Nosso quintal não era grande e não possuía nenhuma área que pudesse ser isolada e destinada à guarda daquele pequeno javali. Inclusive, porque era nesse quintal que, nos dias normais, as nossas roupas eram postas a quarar e a secar, depois de lavadas.
            Só que os problemas nem esperaram por isto. Começaram logo ali, no próprio local da festa e do leilão. O suíno, pelo visto, não simpatizou muito com o papai. De longe, já ouvíamos os seus guinchados e grunhidos, antes mesmo que o arrematante surgisse do meio da multidão, abraçado com aquela nada amigável composição de toucinho, lombo e pernil. O sentimento de vergonha que experimentamos foi instantâneo. Algo que, nos dias de hoje, certamente chamaríamos de “mico”! Mas com ele é que bem cabia aquele conhecido princípio: nada é tão ruim que não possa ser piorado!
            Prá começo de conversa, a nossa festa de barraquinhas acabou-se instantaneamente, claro! Quem é que iria continuar numa festa, tendo de segurar a “prenda” de papai no colo? Porque, em lugar de amarrar uma corda em seu pescoço (no pescoço do porco, bem entendido!), os organizadores do leilão fizeram foi enfeitá-lo com uns laços de fita colorida, para torná-lo mais simpático e atraente. Metemos o leitão dentro da “Miss Shirley” — apelido que déramos à Variant, que era o nosso carro de então — e tocamos para casa.
            Ao chegarmos e sem saber direito como hospedar o bicho, papai decidiu que ele ficaria preso no quartinho dos guardados, que ficava lá atrás e dava a porta direto para o quintal. Foi o que se pode arranjar para o resto da noite. Mas, e depois? Nós estávamos com a nossa viagem de final de ano pronta para São Paulo, onde iríamos passar o Natal e Ano Novo com o resto da família: tios, primos, coisa e tal. Foi quando o chefe da casa teve aquela “luz” inesperada e nos disse:
            — É isso! Vamos levar o leitão de presente para ajudar na ceia de final de ano! Lá eles mandam abater e tudo se resolve!
            Outro “gelo” na barriga da família, enquanto, pelo olhar da minha mãe, tudo levava a crer que ela só queria pedir a Papai Noel uma viuvez de presente. Mesmo assim, o leitão viajou em nossa companhia para São Paulo. E o destinatário do presente — desde logo ficou resolvido por papai — seria o tio Oscar, que era o seu irmão mais velho.
            A viagem foi verdadeiramente infernal! A bordo da “Miss Shirley”, o criativo motorista, mamãe e seus quatro filhos e a nossa bagagem, além da leitoa, como parece evidente! Porque, a esta altura, já tínhamos percebido que não se tratava de um porco, mas de uma porquinha! Sendo assim e como não poderia deixar de ser diante das circunstâncias, a jornada até São Paulo foi uma aventura tormentosa para nós.
            Sendo um período de verão, fazia um calor sufocante e a viagem era interrompida, várias vezes, em postos e cidades que estavam em nosso caminho, para que a leitoa fosse hidratada, com água mineral. Particularmente, o meu desafio era fingir que eu não fazia parte daquela enlouquecida “troupe”, sempre que parávamos em algum ponto, para dar de beber ao presente do tio Oscar. Um desafio no qual certamente fracassei.
            O fato é que, apesar de tudo, do desconforto e do vexame, acabamos chegando a São Paulo e à casa do tio Oscar, que foi, imediatamente, “mimoseado” com aquele presente original. E, de tão surpreso e desconsertado, o tio acabou deixando a leitoa escapar de seus braços e, encontrando o portão aberto, tomar a direção da rua. Talvez o bicho quisesse apenas conhecer melhor a cidade ou tenha sido — sei lá! — uma tentativa desesperada de livrar-se do animal. Tentativa fracassada, porque, graças aos esforços dos familiares presentes ao momento, a fujona foi recapturada e trazida de volta ao aconchego de todos.
            De qualquer modo, nas noites daquele Natal e daquele Ano Novo ninguém provou o gosto da trabalhosa leitoinha, visto que, depois de toda essa aventura, não houve quem tivesse a coragem de dar cabo da mesma. Visto que, naquela altura dos acontecimentos, já tínhamos uma história juntos. E o tio Oscar preferiu criá-la, assim como uma espécie de mascote. É possível uma coisa dessas?!
            Como se vê, esse jeitão meio tresloucado, essas idéias algo bizarras, que o meu pai tinha, de vez em quando, parecem ser uma coisa de família. Porque, para fazer de um porco animal de estimação, eu acho que o tio Oscar também não “batia” muito bem..."
            E obrigado, Patrícia Marinny, por compartilhar comigo esse história de família, algo surrealista. A história e a família!

            

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